sábado, 28 de março de 2009

P125-O nosso direito à indignação

Embora considere não ser este o objectivo principal inicialmente definido para este Blogue já que o Blogue mãe do Luís Graça disso se encarregaria, o "caso" é de tal modo grave e ofensivo que seria quase um desrespeito para com todos quantos sofremos no corpo e na alma as sequelas de uma guerra que nenhum de nós quis, não falar aqui dele.
Refiro-me obviamente às palavras insensatas e no mínimo irreflectidas do Gen. Almeida Bruno que todos nos ouvimos estupefactos na passada quarta-feira no terceiro episódio da 2ª série de documentários "A Guerra".
Transcreve-se aqui o extracto do documentário para que não fiquem dúvidas.
A propósito, recebi do nosso camarada Zé Manel Lopes ,conhecido pela sua pródiga bonomia e senso poético, o texto que abaixo transcrevo.
Hoje no convívio que tivemos em casa do A. Carvalho em Medas-Gondomar o assunto veio obviamente à baila e a unanimidade das opiniões foram bem demonstrativas da nossa enorme indignação.
Pessoalmente, considero-as acima de tudo um insulto a todos nós e em especial às famílias das centenas de camaradas que por lá ficaram ou ficaram mutilados para o resto da vida, .....por...imagine-se.... não saírem do arame farpado...
Ora Sr. General que bela oportunidade perdeu de estar calado...
Álvaro Basto




Sim, assisti perplexo ao comentário dum tal General Almeida Bruno.
Sim, éramos uma tropa macaca, mal preparada, mandados para uma guerra com apenas 20 anos.
Sim éramos uns aprendizes na arte da guerra, ensinados por maus profissionais, que inconscientemente nos mandavam como carne para canhão.
Que aprendemos na especialidade?
Que preparação psicológica tínhamos para o que íamos enfrentar?
Que conhecimentos adquirimos na Instrução Operacional em Bolama?
Aprendemos, sim com os velhinhos que fomos render, que aprenderam à sua custa e muito nos ensinaram num mês de sobreposição, aprendemos com os militares africanos que na guerra nasceram e na guerra viviam, aprendemos, à custa de muito penar, de muito sofrer.
Aprendemos que os dilagramas matam se não tiverem o anel de segurança no local próprio antes de se tirar a cavilha e morreu o Manuel e morreu o Alferes que estava junto de ele e de quem não me lembro o nome, porque quis esquecer tudo isso.
Porque até saber do blogue vivia com todas estas mágoas dentro de mim, sem ter com quem falar e exorcizar os meus fantasmas e a quem dar a ler os meus poemas.
Ah! morreu o Albuquerque numa mina. Só ele.
Se eu acreditasse em milagres ia todos os anos a rastejar até Fátima, pois por lá as minas eram às dezenas, perdão as centenas, mas aprendemos a ter na mão uma pica que precedia os nossos passos, e só morreu o Albuquerque, que até já havia passado o local da mina, mas deu um passo a traz e foi fatal.
Morreram seis, um dois tres quatro cinco seis africanos de uma vez numa mina anti carro, quando se puseram detrás da viatura que regava a estrada para a solidificar e a roda traseira fez rebentar o engenho. Pedaços de seres humanos por todo o lado.
Morreram numa emboscada dois homens da Comp. de Cavalaria e salvo erro 4 elementos do PAIGC naquela emboscada maldita.
O meu amigo e conterrâneo Arnaldo da C CAC 18 ficou sem o calcanhar e um soldado do seu grupo sem um braço e a cara completamente esfacelada e vive!!! agora como pode sem a solidariedade dos senhores da guerra.
O António vive na curva da morte em Sergude, louco, apanhado, dizem alguns, e eu com medo de o visitar, de lhe falar, de o abraçar, esteve anos a fio prisioneiro assim como o meu amigo Batista da Tabanca de Matosinhos. 26 meses de inferno e quem eram os superiores de quem me podia socorrer ou aconselhar nos piores momentos? O Capitão Miliciano Marcelino, o Capitão Miliciano Vasco da Gama que esqueci e vim a rever recentemente, os Alferes Milicianos da minha Companhia, os outros Furries Milicianos e os nossos soldados.
Dos senhores da guerra vi-os quando cheguei a Bissau.
O Sr. Almeida Bruno esse herói, nunca por lá o vi. Foi certamente herói de outras guerras e respeito isso sinceramente acreditem, mas respeitou ele a tropa macaca? A carne para canhão? Fizemos a guerra até ao fim e é isto que nos resta.
Sim somos uma espécie em extinção, os mais novos têm agora 58 anos, dentro em breve não haverá ninguém para xingar sr. General.
E a maioria de nós nem direito tem a reformas.
Os americanos com uma comissão de 12 meses no Vietnam tiveram direito a reforma aos 55 anos e segundo consta também os militares portugueses do quadro.... e a tropa macaca?
Somos estrangeiros no nosso próprio País.
Quando convém a Pátria é de todos, depois passa a ser só de alguns.

José Manuel ex Furriel MILICIANO da CART 6250 Guiné 72-74 Mampata Forrea-Aldeia Formosa-Quebo

Nota: Foi fuzilado depois de regressarmos o maior herói que vi em toda a minha guerra o MORE milícia a quem muitos de nós devemos a vida. Ficou lá, era soldado se fosse capitão vinha como o Marcelino da Mata e não era fuzilado.

4 comentários:

  1. Pois é Zé, pois é Alvaro, pois é Baptista, pois é todos nós. O sr. general, como muitos dos hoje senhores oficiais generais não sabem do que falam. A guerra deles, foi o que nós sabemos. Bissau, um padrinho a quem beijar o cu, e muita merda e não só na cabeça. À sua volta já era impossível estar-se. Agora são uma elite de merda completa. E os BANDOS da macacada que resistiram continuam a atirar-lhes o sustento para aquela gamela onde continuam a charfurdar e ainda por cima cagam de alto as bacoradas que infelizmente temos de ouvir. No mínimo os sobreviventes dos BANDOS deveriam merecer-lhe (e tambem de todos os bácoros que mamam da mesma gamela e à nossa custa) o decoro de estarem calados.

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  2. O Gen João Almeida Bruno é o Gen. mais condecoradocdas nossas F.A.
    Claro que todos nós sabemos como se ganham condecorações mas no caso dele até admito que ele seja um caso diferente e pouco habitual. A frase , a meu ver, foi proferido um daqueles momenos que afinal todos nós temos de.. digamos... menor clarividência... não me parece que seja uma convicção firme e interiorizada. Em nome de todos quatos sofremos e morremos com aquela maldita guerra deixemos as coisas como estão e o Sr. General que viva com o remorso de nos ter insultado a todos...

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  3. Isto está a ficar bonito, não haja dúvida. Já não bastavam os jornalistas,os que nem sequer sabem que houve uma ditadura, os ignorantes que já se esqueceram do antigamente, os politicos que só se lembram de nós nas eleições e ás vezes nem isso, já só faltava chegar ao generalato e se calhar não ficamos por aqui. Com um pouco de sorte se calhar ainda fomos obrigados a passar férias nas "colónias" com tudo pago, até agasalhos de madeira. Claro que o "sr" general não precisava do arame farpado em Bissau, senão o dito ar escapulia-se e deixava de ser condicionado. - Áh mas eu também andei no mato a comb... blá,blá,blá...pois tabém. -Aponta Bruno,que aqui este BANDO vai passar uns dias a Bissau para ver como é bom o ar-espalhado no Grande Hotel Brá e se não se portar bem, vai mais cedo para a metrópole que é para aprender. Tenha juizo "sr"general, a sua sorte e a de muitos é nós veteranos de GUERRA e ex-"COMBATENTES",combatentes, porque andamos a combater (obrigados a combater)ainda termos algum juizo.

    Um abraço a quem deu o corpo á guerra que não era nossa, era deles, generais e outros que tais.

    cumprim/jteix-veterano de guerra
    ex-Furriel Milº Art
    CART2412 68/70 Bigene-Guidage-Barro

    A Companhia,a que o Spínola foi de propósito com o "aponta Bruno"visitar a Guidage,para atender uma queixinha dum soldado. Com a companhia formada e 5 meses de mato, vira-se para o Capitão Miliciano (formado com 15 dias em Mafra,tinha sido Alferes 11 anos atrás. Depois a culpa era da tropa macaca) "O sr não é digno de comandar os homens que a Pátria lhe confiou" e tirou-o da companhia.

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  4. Isto é sempre o mesmo problema! Quando se trata de fazer declarações, uns falam e outros "dizem coisas", como os malucos!
    É realmente uma tristeza confirmar afinal o que sempre soubemos mas que secretamente ainda esperávamos que não fosse assim.
    Essa gente, que usufruiu da sua progressão "profissional", da sua carreira, das benesses inerentes, à custa da guerra (sim, porque não é em tempo de paz que as evoluções nas carreiras são, digamos, "aceleradas") essa gente, dizia, que tem assente o seu actual estatuto, o seu bem-estar, etc., fundado sobre o sofrimento, as angústias, as feridas e os cadáveres de tantos, tem o desplante de "falar de cátedra", assim como quem está a fazer uma grande revelação sobre os miseráveis, os coitadinhos que, pela sua atitude cobarde (na sua torpe opinião)não o deixaram "brilhar" mais e "revela", sem contraditório, pelo menos ali, naquele momento, que afinal a maioria estava "acagaçada" atrás do arame farpado.
    Estas afirmações, para além de "infelizes", são efectivamente miseráveis, cobardes, elas sim, porque não expostas ao contraditório, e ainda por cima dum fulano que se fartou de "apontar" notas, a ordens de Spínola, ditadas nas visitas que faziam a locais onde haviam queixas e reclamações e que, por isso, tinha a obrigação de ter uma visão mais correcta.
    Apesar de tudo, a afirmação de A. Bruno deixa margem para outro tipo de abordagens, designadamente sobre o esforço que os "bernardos" têm vindo a fazer para reescrever a História.
    Não sei porquê, mas tenho a sensação de que aquela verborreia tem a ver com as mesmas "explicações" dos pontos de vista das "guerras ganhas e das guerras perdidas"....
    Um abraço
    Hélder S.

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