segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

P024-Antes da guerra (4) ...fui santinho

A minha terceira fase começou quando o padre italiano Herminio Rossetti, já um venerável ansião e, se calhar, também já com alguma falta de lucidez, achou que eu podia dar um bom padre. Os meus pais, face à perspectiva de educação gratuita para o filho, não disseram que não, pudera. Numa manhã de Outubro de 1955 lá partimos, eu e o Manuel Cavaco, que também fora arrastado para aquele objectivo, num ronceiro Peugeot. Nós atrás e dois padres, que não me lembro quem eram, à frente. Pela Estrada Nacional 1, já mais que velha naquela altura, fomos de Lisboa a Mogofores, rezando o terço pelo caminho, não vá o diabo tecê-las, ou algum buraco da EN1.
E assim comecei a minha estadia de cinco anos no Seminário Menor Salesiano. O padre Angelo Paganella, também italiano, era o director. Grande pianista e músico era também o maestro do coral do seminário. Fiz parte dele, e a minha voz deve andar por aí num 45 rotações com temas natalícios que o Valentim de Carvalho foi lá gravar uma vez. Através dos trechos de Verdi que cantávamos dei os meus primeiros passos no italiano. Va pensiero... Havia uma banda, onde eu toquei clarinete, que participava em todas as procissões lá da aldeia. Tinha piada.
Não teve grande piada quando ouvi uma prelecção a falar mal do Humberto Delgado, não é que eu na altura conhecesse o senhor mas não me pareceu bem, e também quando não me deixaram ler “O Crime do Padre Amaro”, numa aula em que se falou do Eça de Queirós... eu, inocentinho, só queria saber qual era o crime.
Na fotografia que mostro estão os do meu 5º ano. Os que lá chegaram. Não está, por exemplo, o Manuel Cavaco, pois ele, creio que ao fim de dois anos, já não estava para aquelas cenas nem gostava daquelas peças e decidiu partir para outras. Lembro-me deles todos, mas só me lembro de alguns nomes:
- com o X vermelho e a boina enterrada na cabeça sou eu;
- o 1 é o caboverdeano Jaime do Rosário, que fez parte dos Tubarões, mais tarde;
- o 2, não me recordo do nome, morreu de pneumonia no seminário, antes de acabar o 5.º ano
- o 3 é o Claudino;
- o 4 não me lembro do nome mas disseram-me que morreu afogado em Lamego durante um treino dos Operações Especiais no rio;
- o 5 é o César Vilafranca, que foi, depois, Presidente da Câmara de Castelo Branco durante vários anos;
- o 6 é o Elíseo.
De todos só um é que chegou a padre: é o 7, o Joaquim Taveira, que é agora, parece-me, o Provincial dos Salesianos. Não me admiro, pois fazia por isso. Eu e alguns dos outros ainda fomos para a fase seguinte.
Quanto ao que morreu de pneumonia, teceram-lhe muitos encómios e procuraram, dentro da tradição de apontar modelos de santidade, dá-lo como um exemplo a seguir nesta vida por todos os seminaristas.
...Mas não percebo porque é que fui eu o entronizado como santo. Eu explico:
Estava em construção a Basílica de Nossa Senhora Auxiliadora e o director quis fazer uma estátua de S. Domingos Sávio (um santo da Congregação). Não sei porquê, se calhar tinha cara de santinho, mas acharam que eu podia fazer de modelo. E lá me submeti a várias sessões para a obra do artista. A construção ainda não tinha acabado quando saí desse seminário para outra etapa, mas, há anos, passei por lá e tirei-me umas fotografias. Se enfiarem uma boina na cabeça do santinho em vez da auréola, vêem logo que sou eu, rosadinho e de lábios pintados.
...E quem lá for também pode ver-me num pedestal do lado esquerdo da basílica.

2 comentários:

  1. Companheiro,quem foi santo aos 15 anos é Santo toda a vida.
    Jorge Félix

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  2. É isso aí!
    Uma vez santinho.. sempre santinho!
    Bem que eu já tinha desconfiado...
    Hélder Sousa

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