quinta-feira, 27 de novembro de 2008

P018-Antes da guerra (3)




A minha primária

em Campo de Ourique



e as miúdas

do Jardim da Parada







Aos sete anos lá voltei do Penedo Gordo para Lisboa. A minha irmã, mais velha do que eu, andava num colégio de freiras na Rua do Patrocínio. O capelão delas era o salesiano padre Albino. Ela falou-lhe que tinha um irmão pequeno, que tinha vindo do Alentejo, que precisava de ir para a escola... Foi, então, através dele que fui para as Oficinas de S. José. Lá andei até fazer a 4.ª classe. Havia missa todos os dias, evidentemente, mas também joguei hóquei em patins e fiz parte da equipa de futebol "Os Pequenos Leões", treinada pelo sportinguista e macaense Rocha, que jogou depois na Académica. Era o tempo dos violinos... Parti várias vezes a cabeça e escalavrei joelhos e cotovelos nessas aventuras desportistas. Mas tive outras: fiz várias gazetas às aulas... e às missas. Éramos conhecidos como "O Bando" - eu, o Lino "focinho de porco", o Sá Santos e o Genciano - mas não dos quatro (a perspectiva histórica não era tão apurada assim). Íamos passear para o Parque Eduardo VII (de dia, mentes perversas!), e até ao Castelo de S. Jorge, íamos tomar banho em cuecas para a "praia" de Algés (aqui, na primeira vez, tivémos de dar porrada no "focinho de porco" porque ele indicou-nos o caminho para lá mas já não conseguiu saber o do regresso). No recreio renávamos aos índios e aos cóbois. Uma vez espetei uma vareta de guarda-chuva numa perna do Lino. Eu era índio, com arco e flecha. Levei uma data de reguadas do professor padre Gama. E havia a escola feminina Josefa d'Óbidos (d'óbitos, como lhe chamávamos), que ficava mesmo ao lado, e para onde atirávamos uns aviõezinhos de papel com certas frases escritas para as meninas de lá lerem.
É verdade que o Lino, gordinho e de nariz abatatado, era um bocado o bombo da festa, o "focinho de porco", mas fomos todos bons amigos.
Parece que, na altura, a Guiné já tinha traçado destinos. Muitos anos depois, como já disse, encontrei em Bissau o tenente-capelão Gama, que tinha sido o meu professor. Também lá encontrei o Sá Santos, d' "O Bando", que era furriel não me lembro em que local. Nas Oficinas de S. José havia um outro professor, o padre Nazário, que teve a lata de aparecer como major-capelão a rezar a missa de despedida e fazer um discurso patriótico no RAC de Oeiras, que era onde estávamos à espera de embarque. Mas a lata maior foi quando ele um dia me apareceu em Geba e perguntou displicentemente Está tudo bem? Mas eu, feito sacaninha, também lhe respondi Fora os mortos e feridos, nós por cá todos bem, cerveja e bajudas não faltam.
E passei a minha meninice da primária em Campo de Ourique. Foi a minha fase citadina. Primeiro numa casa da Rua Francisco Metrass, em frente à igreja de Santo Condestável, há pouco acabada de construir. O padre António Ribeiro, sim, o que foi cardeal, foi o seu primeiro pároco - as catraias gostavam muito dele, a minha irmã também, era giro, diziam. Com munições que tinham sobrado das obras, várias vezes andei à porrada com a malta do Casal Vemtoso: Lá vem a malta do Casal Ventoso, panela às costas vai à sopa do Barroso... era pedrada certa. Depois fui morar para o n.º 1 da Rua Tenente Ferreira Durão, mesmo em frente da "escola da Câmara". Aí conheci um grande colega de brincadeiras, o já na altura grande actor Zé (Morais e Castro), que morava lá ao pé, grande contador de histórias mirabolantes e engatador das miúdas da zona. Lá apanhei também o grande nevão de 1954 em Lisboa. Foi bom para brincar e não ir à escola.
Mas a melhor casa onde estive foi na Rua 4 de Infantaria, em frente ao Jardim da Parada. E foram os melhores momentos. Descontando, é claro, a velha embirrenta, com um cão ranhoso, que era a dona da casa onde morávamos (nessa altura vivi sempre em partes de casa... a vida do meu pai não dava para mais). Tinha O Meu Café lá na rua (que saudade!) para beberricar uns galões e devorar uns bolos de arroz. Fazíamos corridas "à volta do quarteirão", passando pela Ferreira Borges, bebendo, a intervalos, a água gelada que as leitarias (vendiam de tudo, mas o nome vinha-lhes dos quartos de Vigor e de Ucal) da rua nos davam de boamente. Fazíamos também corridas de caricas nas bermas dos passeios do jardim. À noite, ao pé da Maria da Fonte, contávamos uns aos outros histórias de arripiar sobre fantasmas e lobisomens. Cada um a mais terrífica e verdadeira...
Mas o melhor era no jardim. Bricávamos com as miúdas. Fui ao jardim da Celeste, giroflé, flé, flá... a vida do marujinho é uma vida atribulada, passam-se anos e dias ao cimo d'água salgada... e aos maridos e mulheres. Enamorei-me da Maria João, que morava na Rua Infantaria 16, na porta em frente da Maria da Fonte, era maria-rapaz mas era fina e trazia-me pelo beiço. e da Célia, com o vestido aos quadrados que eu adorava, e que também era fina mas não me ligava nada, e da Maria Emília, de que gostei mais, que morava também na Rua Infantaria 16, mas no pátio n.º 10 (era uma ilha lá do sítio), e era simples e simpática.
Nunca mais as vi e tenho imensas saudades destas miúdas.
E havia o antigo cinema Europa. É agora algum supermercado, não sei. Grandes filmes lá víamos. O Facho e a Flecha, Prestígio Real, os do Joselito, Quo Vadis (na escola eu perguntava sempre aos outros Já viste o cu ó vadis?). Normalmente assentávamo-nos na primeira fila em bancos corridos, por 2$50. Quando o herói aparecia levantava-se a malta toda a gritar Lá vem o rapaz!! e batíamos palmas. Entretanto, um malandro amandava o banco abaixo e lá caíam todos. Grande sarrabulho.
Um dia, os quatro do Bando fomos para o balcão. No intervalo, fizémos acrobacias e equilibrismos no parapeito da primeira fila. Todos bem. Menos eu. Desiquilibrei-me e caí no corredor da plateia em cima dos espectadores que saíam. Não me magoei, mas tive de fugir a sete pés. Saudade.















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